sábado, 27 de março de 2010

Morrendo lenta e dolorosamente

"Será que hoje ele me mata?" Pedro acordou em esse pensamento, de novo, como em todos os dias. desde muito tempo atrás.
Levantou-se, calçou os chinelos, foi ao banheiro e olhou-se no espelho como fazia todos os dias, olhou-se e o pensamento veio outra vez, "será que é hoje o dia em que ele me mata? Ou será que acontecerá algo que mudará tudo e me dará mais um dia?"
Seu futuro assassino já era um velho conhecido, tiveram seu primeiro contato durante umas férias escolares, quando Pedro ainda era um adolescente. No fim de um dia em que ele não fizera absolutamente nada, como é normal nas férias, conheceu esse predador e se viu desesperado, nunca em sua breve vidinha sentiu-se tão aterrorizado. Precisava fugir, fazer algo para livrar-se de coisa tão ruim, precisava mudar tudo, ser outra pessoa, para que ele nunca o encontra-se outra vez.
Fugiu de casa, foi para a capital, começou a vender chicletes no semáforo. Com o frio, as noites em bancos de praças e os outros perigos que enfrentava em sua nova vida, quase sentiu-se seguro outra vez, ele não o mataria. Até que em um dia de sol escaldante, quando Pedro estava sentado em um banco vendo a vida passar, o avistou. Mesmo depois de tanto tempo o reconheceu, e, principalmente, reconheceu como o fazia sentir-se. O desespero voltou.
Fugiu outra vez, foi para outra cidade, voltou a estudar, entrou em uma faculdade, se formou, conheceu alguém, casou-se, teve filhos, ganhou dinheiro. Tudo isso premeditadamente para fugir, escapar de seu algoz. Sim, o casamento e a família também podem ser uma fuga, e até nos esconde bem, por um tempo.
Sua vida ia passando, mas, nunca se via livre completamente, a unica diferença é que quando o desespero vinha não podia fugir, tinha família agora, não podia simplesmente desaparecer como das outras vezes.
E isso nos remete ao dia de hoje, com a visão de Pedro ao espelho. Ultimamente seu desespero havia retornado e aumentava cada dia mais, todos os dias eram uma espera do derradeiro momento de sua morte.
Será que estava imaginando coisas, será que existia mesmo o predador que o encarava em seus momentos mais ociosos, será que o desespero iria aumentar tanto a ponto de acabar com tudo?
O que fazer, o que mudar para se livrar disso? Pedro pensava e pensava sem conseguir chegar a conclusão alguma.
Mais uma vez olhou-se no espelho e o mesmo pensamento de todos os dias o invadiu: "Um dia esse Tédio ainda me mata".

sábado, 13 de março de 2010

Novo adeus

O que sempre esteve explícito é que você era dela e eu era dele. Disso tirávamos que nunca seríamos ou teríamos um nós.
Senti sua mão em meu corpo, quis prolongar aquele estado de semi-dormência para te sentir só um pouco mais.
Nossos fugazes encontros eram isso, nada mais do que prolongamentos de momentos, mãos e bocas, prolongávamos o gozo para que eu te sentisse só um pouco mais dentro de mim.
Toda vez era a mesma coisa, primeiro a volúpia, a vontade de ter e ser e ter mais um pouco. Depois vinha a satisfação e consequentemente a melancolia e o desespero.
Eu ficava esperando o momento em que você diria que precisava ir, pois ela o aguardava. Eu diria que tudo bem, pois, ele também me aguardava, abaixaríamos os olhos por um ou dois segundos e quando os levantamos eu já estaria com os meus encharcados, você pegaria minhas mãos e diria que não precisava ser assim, me amava, nós tínhamos uma escolha. Mas, você sempre soube que não, não tínhamos escolha, e era isso que eu sempre te lembrava aos gritos. O desespero tinha chegado.
Eu já perdi a conta de quantas vezes eu te disse que essa era a última, que nada se repetiria. Só para ouvi-lo concordar. E, quando estivéssemos com a certeza da despedida, eu o olharia súplice e você me beijaria, como se fosse nosso último momento na Terra.
Eu te amo, eu diria. E você sorriria com aquele seu meio sorriso que eu nunca sabia se era de alegria ou dor, assim, nos deixaríamos ficar, enroscados em mais um prolongamento.
Você vai estar aqui semana que vem não é? Não sei, isso não é certo... Mais um beijo, e com ele a certeza de que haveria uma semana que vem.
Nós éramos de outras pessoas, eu nunca seria sua e você nunca seria meu, mas, sempre haveria a semana que vem.
Adeus. Adeus.